terça-feira, 11 de agosto de 2015


Memoria poética...





UM ÊXTASE


Luiza Amélia de Queiroz Nunes







D'onde vem esta harmonia,
Este encanto, esta magia,
Que me traz a viração?
Este acento de ternura,
Esta melodia pura
Que me falla o coração?

De onde vem! plagas remotas
Atravessaram estas notas
Que me enleiam de prazer?
Esta doçura divina,
Só duma harpa feminina
Se podia desprender!

Oh! sim, esta voz tão bella,
É a voz d'uma donzella,
E d'um anjo seductor!
E d'um sentir delicado,
Que se expande apaixonado
Com singeleza e pudor.

Há n'ella suave encanto,
Que seduz, que causa espanto,
E commove o coração!
Uma celeste cadencia,
A transpirar innocencia,
Muito amor, muita paixão!

Sereia, mulher, archanjo,
Sylpho, cherubim, ou anjo,
Quem és tú pra assim cantar?
Quem te deu esta harmonia,
Esta vaga melodia,
Que ninguém sabe imitar?

Quem te poz o dom da graça
Na phrase simples que enlaça
E nos prende o coração?
Em que fonte peregrina,
As foste beber, menina,
Tão sublime inspiração?

Quem pode tão meiga lyra,
Quando em cânticos suspira
Indifferente escutar?
Quem pode mesmo sem ver-te,
Deixar de amar e querer-te,
Em ti o bello adorar?!


Parnahyba, 14 de março de 1873.


(NUNES, Luiza Amélia de Queiroz. Flores Incultas. Parnahyba: Typ. Paiz Imp. M. F. V. Pires, 1875; p. 215-217).






2 comentários:

  1. Poema sublime, emocionante, encantador...
    Uma prova concreta da atemporalidade do afeto, da emoção, da sensibilidade...
    Mudam-se as grafias, mas jamais os sentimentos...
    Este poema, por exemplo, é uma obra prima atualíssima...
    Extasiante, como bem faz menção o título...
    Sensível e profundo, como toda expressão de amor, necessita ser...
    Agradeço o privilégio da leitura.

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  2. Cara prima Jaqueline Oliveira,
    Concordo muito com seu comentário, ao observar a atemporalidade do romantismo de Luíza Amélia de Queiroz Nunes, demonstrado no poema "Um Êxtase" e em tantos outros de sua lavra.
    Como reconhecimento a essa característica, a vate primeira das terras mafrenses recebeu de seus confrades o carinhoso título de "Princesa da Poesia Romântica do Piauí", e vem sendo referendada, por parte da crítica especializada, desde suas primeiras manifestações, como uma "[...] poetisa inata, romântica, de exuberante lirismo".
    Mais notadamente em "Flores Incultas" - seu primeiro livro publicado e do qual pode ser lido o poema em referência - percebe-se forte influencia de diversos autores da época, em especial Casimiro de Abreu.
    À luz dos estudos realizados, na atualidade, em seus versos, são identificados elementos que serviriam de inspiração ao discursos das futuras militâncias feministas. Demonstrou enorme inquietação com o preconceito da sociedade patriarcal e machista do século XIX, em que vivia. No entanto, curiosamente, conseguia amenizar tais manifestações com seu estilo romântico, valendo-se de elementos tais como o nacionalismo, o patriotismo, a religiosidade, a subjetividade e o sentido passional.
    Seus últimos poemas já continham forte componente de espiritualidade (foi uma das fundadoras da primeira sociedade espírita de Parnaíba), a exemplo das estrofes escritas, já em seu leito de morte:

    "Eu vejo... Eu sigo, de Maria o vulto,
    Às plagas santas que Jesus habita;
    Nele e na Virgem encontrando indulto,
    À Pátria volto de onde andei proscrita.

    Maria, oh! Mãe, por Jesus me acalma,
    José, esposo de Maria, vem,
    Traz-me o menino, e ao receber esta alma
    Eu veja a Deus para sempre... Amém."

    Abraço fraterno.

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