Cultura, memória e história em pesquisa...
ENTRE TRAQUINAGENS E OUTROS CASOS CONTADOS: UM TRIBUTO A MAGALHÃES DA COSTA
Augusto Brito
“Penso que as suas histórias terão amplo
sucesso entre os apreciadores do gênero”.
H. Dobal, considerado
por muitos a maior expressão da poesia contemporânea piauiense, estava certo em
seu comentário acerca da obra de Magalhães da Costa. Esse menino traquino -
como o próprio autor se definia – tornou-se, ao lado de Fontes Ibiapina, um dos
maiores contistas do Estado, em todos os tempos.
Primeiro filho do
casal Nair de Brito Magalhães e Francelino Valente da Costa Filho (Mestre
Branco), José Magalhães da Costa nasceu em Piracuruca, em fins d’água de 1937,
no dia 18 de maio.
Conheceu as
primeiras letras por instrução das professoras Dalila e Hesíchia. Estudou no
então Grupo Escolar Fernando Bacelar,
em Piracuruca, e nos colégios Diocesano
e Demóstenes Avelino, em Teresina.
Bacharelou-se em Direito pela Universidade
Federal do Ceará (UFC), iniciando, também ali, sua militância nos
movimentos estudantis. Na capital alencarina, idealizou e fundou o Núcleo dos Estudantes Universitários do
Piauí (NEUP).
Casou-se com Julia
Lima, com quem teve os filhos Jomali Lima Magalhães e Joseli Lima Magalhães.
No campo profissional,
abraçou a magistratura, desempenhando o cargo de juiz de direito nas comarcas
de Pio IX (1967), Alto Longá (1969), Miguel Alves (1970), Piripiri (1974),
Parnaíba (1979) e Teresina (1983). Alcançou o ápice da carreira ao ser nomeado
desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, onde assumiu
diversas funções, dentre as quais presidente da Primeira Câmara Especializada
Criminal e das Câmaras Reunidas Criminais. Integrou, por último, a Corregedoria
do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Piauí. Pelos relevantes serviços
prestados à magistratura mafrense, recebeu a Medalha da Associação dos
Magistrados Piauienses.
No exercício do
Direito, o jurista Magalhães da Costa foi de incontestável retidão, uma
raridade nos dias de hoje. Ao entrincheirar-se no “[...] forte ideal de dar a cada um o que é seu”, revestia-se das
bênçãos da deusa de venda nos olhos, espada e balança em punhos, a balizar o
rigor de suas decisões. Não se curvou, jamais, a interesses alheios à busca
incessante pela justiça. A esse respeito, Chaib sintetiza:
Como humanista, a
sua justiça não era representada pela aplicação frias das leis porque os homens
não foram feitos para a lei, mas as leis é que foram feitas para os homens,
razão pela qual na sua aplicação há que se humanizar a frieza dos textos,
segundo a natureza humana.[1]
Foi como escritor,
no entanto, que Magalhães da Costa se realizou pessoalmente e alcançou singular
notoriedade. O sucesso de crítica e de público alcançado por sua produção
literária responde, por si só, a qualquer questionamento ou opinião menos
abalizada. Publicou: “Casos Contados”;[2]
“No Mesmo Trilho”;[3]
“Estação das Manobras”;[4]
“Casos Contados e Outros Contos”;[5]
e “Traquinagem”,[6]
obra lançada em circuito nacional, indicada para estudo de concursos
vestibulares de universidades públicas e adaptada para o teatro. Em edição
póstuma, seus familiares organizaram seus contos inéditos em volume intitulado “Histórias
com pé e cabeça”.[7]
Os contos de
Magalhães da Costa integraram, também, diversas antologias e foram objetos de
importantes estudos literários. Dentre essas obras coletivas podem ser destacadas:
“Crime & Mistério” (1977); “Ó de Casa” (1977); “Piauí: Terra, História e
Literatura” (1978); “Novos Contos Piauienses” (1983); “Outros Contos
Piauienses” (1986); “Poesia Teresinense Hoje” (1988); “Passarela de Escritores”
(1997); e “Literatura Piauiense para Estudantes” (1999).
Como jornalista, Magalhães
da Costa colaborou com diversos periódicos piauienses, tais como: “Almanaque da Parnaíba”, “Jornal do Piauí”, onde dirigiu as
páginas de literatura, “O Estado” e “O Dia”. No jornal “Meio Norte” manteve uma coluna de crítica literária semanal.
As pessoas e os
logradouros públicos de Piracuruca, bem como as propriedades rurais da família
e os seus moradores, pelos idos dos anos 40 e 50, foram testemunhas do
desenvolvimento do menino e do adolescente Zé do Branco. Transformaram-se, algum
tempo depois, nos personagens e cenários das histórias do escritor Magalhães da
Costa. Em seus contos, relatou: as brigas com o Nenen do Zeba, os atos de fé
promovidos pela “Tia” Emília, as quizilas entre os caboclos do Curral de Pedras,
casos de doenças e funerais de familiares e conhecidos, as caçadas de passarinhos,
os prazeres experimentados com a Negra Zú... Magalhães da Costa soube, como nenhum
outro, reproduzir e reverberar os costumes, os credos, os valores do povo
piracuruquense... Conseguiu captar, com maestria, os elementos essenciais que
compõe o amalgama cultural da gente simples de sua terra natal e redondezas.
O contista
piracuruquense tornou-se imortal da Academia Piauiense de Letras (APL), em 07.08.1998,
ocupando a Cadeira nº 34, cujo patrono é seu conterrâneo Anísio de Britto
Mello. Integrou, também, a Academia
Parnaibana de Letras (APAL), a Academia
de Letras do Vale do Longá (ALVAL) e a Academia
de Letras da Região de Sete Cidades (ALRESC), cadeira nº 03; patrono
Raimundo da Costa Ribeiro. É patrono da cadeira nº 33 do Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Parnaíba. Compôs a União Brasileira de Escritores, secção
do Piauí (UBE/PI), da qual foi seu primeiro presidente.
Magalhães da Costa
conquistou prêmios literários em certames regionais e nacionais. Recebeu
diversos títulos honoríficos, dentre os quais o de “Intelectual do Ano 1986”, conquistando o Troféu Fontes Ibiapina.
“Contista de estilo inconfundível”; “[...]
de linguajar simples e direto”;
escreveram alguns. “É um dos bons
contistas da moderna literatura brasileira”, citou outro. Alencar assim se
referiu:
Sendo um exímio
artífice da arte de narrar, por natureza, tem a seu favor o fato ponderável da
vivência, a erudição humanística, a temática original, o estilo pessoal, enfim,
toda a gama de atributos de que se constitui a alma do verdadeiro contista.[8]
Moura, por sua vez,
assim comentou:
Não o vemos de
maneira nenhuma atrelado ao carro dos vanguardistas. Nem por isto se deixa
estratificar. Cresce sem temor, cumprindo o destino que lhe está traçado: o
destino de um bom contista.[9]
Imortal em tantas
academias, Magalhães da Costa encerrou, em 18.06.2002, sua participação finita
na grande aventura humana. Sua partida deixou mais opacos os meios literário e
jurídico piauienses, privando a todos do experimento de outras dádivas, seja
por seu testemunho ético e moral, seja pela continuação do conjunto da sua
importante obra.
No sagrado livro do
cristianismo, há uma passagem que contém o seguinte período: “Então Jesus dizia para eles que um profeta
só não é estimado em sua própria pátria [...]”.[10]
O interessante versículo, atribuído ao evangelista Marcos, denuncia as
dificuldades enfrentadas por Jesus Cristo em operar suas maravilhas em Nazaré
da Galileia, sua cidade natal. A propósito, não se pode dizer que, em
Piracuruca, Magalhães da Costa seja totalmente ignorado: Em 28.12.1989, o Poder
Executivo Municipal outorgou ao contista, bem como a diversos outros
conterrâneos, o “Diploma do Mérito
Centenário”, no ensejo das comemorações alusivas ao centenário da
emancipação política do Município. Na justificativa do mérito, lê-se:
[...] Pelos
relevantes serviços prestados, seu dignificante exemplo de servir à terra natal
e pelo acréscimo de seu nome na promoção do desenvolvimento social, econômico e
cultural de Piracuruca.[11]
E, ainda, em
cerimônia realizada a 28.06.2008, o cabedal de valores que o garoto Zé do
Branco assimilou e o magistrado Magalhães da Costa cuidou em preservar, honrar
e aperfeiçoar recebeu uma justa homenagem póstuma, em sua plaga mãe: o logradouro,
até então conhecido como Praça de Santo Antônio, depois de passar por obras de
recuperação e reforma arquitetônica, foi novamente entregue, pela Prefeitura
Municipal, à população local, agora renomeado como “Praça Desembargador
Magalhães da Costa”.
No que se refere à
produção literária, no entanto, o autor de “No Mesmo Trilho” permanece
praticamente ignorado pela maioria da população piracuruquense. Como exceção à
regra – e a bem
da justiça - tem-se o trabalho de autoria da professora Glicínia de Aguiar,
intitulado “Magalhães da Costa na Escola” (2001), em que a então acadêmica do
curso de Licenciatura Plena em Letras efetua uma análise crítico-interpretativa
das obras “Casos Contados e Outros Contos” e “Traquinagem”.
Sobre “Casos
Contados e Outros Contos”, Assis Brasil assim assevera:
Esta reunião de
narrativas de agora [...], traz a melhor ficção de Magalhães da Costa, livro
que agrada a qualquer leitor, o da cidade grande e o da província, por nos
colocar às mãos o pequeno rincão, tão fartos de significação humana e exemplar
literatura.[12]
Em referência ao conjunto
legado por Magalhães da Costa, Brasil manifesta-se, ainda, que
Na captação da
beleza estética de um dos mais importantes escritores, não somente do Piauí,
mas do inteiro país, o escritor, entre inúmeros outros de um Brasil literário
desconhecido, precisa ser mais divulgado, mais lido, tomando-lhe o pulso quer
interessados críticos, quer leitores inteligentes.[13]
Constata-se, assim,
que, também à luz da opinião do grande romancista piauiense, urge que ações
públicas e privadas sejam desenvolvidas - nos moldes de estudos acadêmicos, círculos
literários, feiras culturais, salões de livros e outras iniciativas do gênero –
visando promover o conhecimento e o reconhecimento do conjunto da obra do contista
piracuruquense, especialmente no rincão em que nasceu e região e, ademais, por
todo esse imenso Brasil de tantos talentos.
[1]MAGALHÃES, Joseli.
Cosmovisão de Ideias. Teresina: Edufpi, 2004.
[2]COSTA, Magalhães da. Casos Contados. Teresina: Edições Fontes,
1970.
[3]COSTA, Magalhães da. No Mesmo Trilho. Teresina: Edições
Fontes, 1972.
[4]COSTA, Magalhães da. Estação das Manobras. Teresina:
1985.
[5]COSTA, Magalhães da. Casos Contados e Outros Contos. Reio
de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1996.
[6]COSTA, Magalhães da. Traquinagem. Rio de Janeiro: Imago
Editora, 1999.
[7]COSTA, Magalhães da. Histórias com pé e cabeça.
Teresina: 2012.
[8]Altevir Soares de Alencar, advogado, filósofo, poeta e
professor. Publicou: “Sonho e Realidade” (1956), “Eterno Crepúsculo” (1961) e “Poemas
Para quem Sabe amar” (1968), dentre outros.
[9]Francisco Miguel de Moura, poeta e romancista. Publicou:
“Areias” (1966), “Universo das Àguas” (1979) e “Poesia in Completa” (1998).
[10]Bíblia Sagrada. Evangelho de São Marcos, capítulo 6,
versículo 14.
[11]PIRACURUCA. Prefeitura Municipal. Diploma do Mérito
Centenário.
[12]BRASIL, Francisco de Assis Almeida. Apud GONÇALVES,
Wilson Carvalho. Antologia da Academia Piauiense de Letras. Teresina: APL,
2000; p. 319.
[13]Assis Brasil, renomado escritor Piauiense, autor,
dentre outros de “Beira Rio, Beira Vida” e “Os que bebem como os cães”.
(BRITO, Augusto. Tributo a Magalhães da Costa (titulo original). Jornal O Piagüí Culturalista. Parnaíba. Parte I, abril/2010, p. 09; parte II, maio/2010, p. 09)
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