segunda-feira, 5 de setembro de 2016


Memória Prosaica...


CULTURA E LIBERDADE

 

Gerson de Britto Mello Boson

(excerto do discurso do jurista e professor piracuruquense ao tomar posse como Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, em 22.02.1967)





"Assumo a Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais, com a consciência do que há de honroso no cargo e, mais ainda, com a consciência das responsabilidades que o exercício da mesma encerra.



A honra se traduz na liderança de serventia, num grupo operacional em que laboram eminentes professores, pesquisadores e funcionários, irmanados nos objetivos de engrandecer a pátria, humanizar a vida e glorificar o Criador.



As responsabilidades constituem um complexo, difícil de especificações, porque a figuração hodierna da Universidade, - que chamarei de Universidade Integrada, - deve carregar o conteúdo pleno do conceito, - não só o aspecto intelectivo da ideação, mas também o das realizações, das concreções ou objetivações do que elabora o espírito.



Ideia e realidade, em imagem daquela justa correspondência, que serviu a Hegel para simbolizar o resumo do mundo.



Assim, por ser verdadeira a ideia do “microcosmo”, cuja história vai de Santo Tomaz, Nicolau de Cusa e Giordano Bruno, passando por Leibniz até Goethe, e segundo a qual a parte homem é, no essencial, idêntica à totalidade mundo; e, ao mesmo tempo, a totalidade do mundo se acha plenamente contida no homem como parte do mundo, o que equivale dizer que as essências de todas as coisas se encontram no homem.



Destarte, aspirar à cultura – desiderato universitário, - significa efetivamente participar e intervir em tudo quanto, na natureza e na história, é essencial ao mundo.



“Pela cultura o mundo se aperfeiçoa realiter no homem e o homem idealiter no mundo”.



Por isso mesmo, a obra universitária não admite personalização. O que de personalismo nela possa haver, são os erros e os desenganos. É obra da comunhão de talentos no espírito do grupo, no espírito da nação e da humanidade. Não admite senhor que prescreve o que se há de pensar, fazer ou sentir.



Condição primeira e fundamental da cultura é a liberdade, como atuante e individual espontaneidade do espírito humano.



Cultura – no dizer de Max Scheler, em notável conferência pronunciada na Academia Lessing, de Berlim, - não é educação “para algo”, para uma profissão, uma especialidade, um rendimento de qualquer gênero; nem se dá tampouco a cultura em benefício de tais adestramentos, mas sim todo adestramento “para algo” deve existir em benefício da cultura, em benefício do ideal do homem perfeito, - ao que acrescento, em benefício do ideal da nação perfeita, da humanidade perfeita.



Tampouco é cultura fazer-se de si mesmo umas obra de arte, narcisismo que tenha por objetivo o próprio eu, e que elimina a verdadeira finalidade do saber.

O “saber pelo saber” é vão – como já reconhecera Epícuro – e tão absurdo como a “arte pela arte” dos estetas.



A “ciência pela ciência” é uma idiotia intelectualista que só tem sentido quando oposta à idiotia do pragmatismo, segundo o qual todo saber existe somente para a utilidade.



Uma Universidade que tivesse por objetivo a formação de homens portadores do “saber pelo saber” ou da “arte pela arte” seria tão falha quanto a que só tivesse missão de formar técnicos e práticos. É tão inútil o “saber pelo saber” quanto perigoso fazer-se da ciência positiva ou da tecnologia o único saber possível. A primeira hipótese exemplifica a contemplação, o diletantismo; a segunda exemplifica a carência de orientação, a carência de visão do destino da cultura, da sustentação da Pátria no conjunto das Nações, a carência da verdadeira visão do posto do homem no Universo.



O tecnicismo que não se volte, imediatamente, para o serviço do homem como ser espiritual, conduzirá o mundo ao retrocesso de um estado de barbárie, “comparado com o qual os chamados povos privitimos seriam helenos, - porque a barbárie científica e sistematicamente fundada seria a mais espantosa de todas as barbáries imagináveis”.



O homem não se adapta facilmente à natureza tal como acontece com os animais que, se a ela não se ajustam, perecem. Por isso, trata de adaptar a si a natureza, em vez de adaptar-se a ela. O espírito é a causa dessa adaptação objetiva (e não subjetiva – a dos animais).



[...]



Senhores:



Como diz um sábio filósofo, difícil é ser homem, como indivíduo de uma espécie biológica e, ao mesmo tempo, no sentido de ideia de humanidade.



Mas aqueles – digo eu – que conseguirem ser receberão o prêmio dos que vivem do espírito, trabalhando para o espírito: o reconhecimento dos seus contemporâneos, a gratidão da Pátria.”                               





(BOSON, Gerson de Britto Mello. A Problemática Universitária. Belo Horizonte: Imprensa da Universidade Federal de Minas Gerais, 1968; p. 09-19).
 

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