Memória Prosaica...
CULTURA E LIBERDADE
Gerson de Britto Mello Boson
(excerto do discurso do jurista e professor piracuruquense ao tomar posse como Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, em 22.02.1967)
"Assumo
a Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais, com a consciência do que há
de honroso no cargo e, mais ainda, com a consciência das responsabilidades que
o exercício da mesma encerra.
A
honra se traduz na liderança de serventia, num grupo operacional em que laboram
eminentes professores, pesquisadores e funcionários, irmanados nos objetivos de
engrandecer a pátria, humanizar a vida e glorificar o Criador.
As
responsabilidades constituem um complexo, difícil de especificações, porque a
figuração hodierna da Universidade, - que chamarei de Universidade Integrada, -
deve carregar o conteúdo pleno do conceito, - não só o aspecto intelectivo da
ideação, mas também o das realizações, das concreções ou objetivações do que
elabora o espírito.
Ideia
e realidade, em imagem daquela justa correspondência, que serviu a Hegel para
simbolizar o resumo do mundo.
Assim,
por ser verdadeira a ideia do “microcosmo”, cuja história vai de Santo Tomaz, Nicolau
de Cusa e Giordano Bruno, passando por Leibniz até Goethe, e segundo a qual a
parte homem é, no essencial, idêntica à totalidade mundo; e, ao mesmo tempo, a
totalidade do mundo se acha plenamente contida no homem como parte do mundo, o
que equivale dizer que as essências de todas as coisas se encontram no homem.
Destarte,
aspirar à cultura – desiderato universitário, - significa efetivamente
participar e intervir em tudo quanto, na natureza e na história, é essencial ao
mundo.
“Pela
cultura o mundo se aperfeiçoa realiter
no homem e o homem idealiter no mundo”.
Por
isso mesmo, a obra universitária não admite personalização. O que de
personalismo nela possa haver, são os erros e os desenganos. É obra da comunhão
de talentos no espírito do grupo, no espírito da nação e da humanidade. Não
admite senhor que prescreve o que se há de pensar, fazer ou sentir.
Condição
primeira e fundamental da cultura é a liberdade, como atuante e individual
espontaneidade do espírito humano.
Cultura
– no dizer de Max Scheler, em notável conferência pronunciada na Academia
Lessing, de Berlim, - não é educação “para algo”, para uma profissão, uma
especialidade, um rendimento de qualquer gênero; nem se dá tampouco a cultura
em benefício de tais adestramentos, mas sim todo adestramento “para algo” deve
existir em benefício da cultura, em benefício do ideal do homem perfeito, - ao
que acrescento, em benefício do ideal da nação perfeita, da humanidade
perfeita.
Tampouco
é cultura fazer-se de si mesmo umas obra de arte, narcisismo que tenha por
objetivo o próprio eu, e que elimina a verdadeira finalidade do saber.
O “saber
pelo saber” é vão – como já reconhecera Epícuro – e tão absurdo como a “arte
pela arte” dos estetas.
A “ciência
pela ciência” é uma idiotia intelectualista que só tem sentido quando oposta à
idiotia do pragmatismo, segundo o qual todo saber existe somente para a
utilidade.
Uma
Universidade que tivesse por objetivo a formação de homens portadores do “saber
pelo saber” ou da “arte pela arte” seria tão falha quanto a que só tivesse
missão de formar técnicos e práticos. É tão inútil o “saber pelo saber” quanto
perigoso fazer-se da ciência positiva ou da tecnologia o único saber possível.
A primeira hipótese exemplifica a contemplação, o diletantismo; a segunda
exemplifica a carência de orientação, a carência de visão do destino da
cultura, da sustentação da Pátria no conjunto das Nações, a carência da
verdadeira visão do posto do homem no Universo.
O
tecnicismo que não se volte, imediatamente, para o serviço do homem como ser
espiritual, conduzirá o mundo ao retrocesso de um estado de barbárie, “comparado
com o qual os chamados povos privitimos seriam helenos, - porque a barbárie científica e sistematicamente fundada
seria a mais espantosa de todas as barbáries imagináveis”.
O homem
não se adapta facilmente à natureza tal como acontece com os animais que, se a
ela não se ajustam, perecem. Por isso, trata de adaptar a si a natureza, em vez
de adaptar-se a ela. O espírito é a causa dessa adaptação objetiva (e não
subjetiva – a dos animais).
[...]
Senhores:
Como
diz um sábio filósofo, difícil é ser homem, como indivíduo de uma espécie
biológica e, ao mesmo tempo, no sentido de ideia de humanidade.
Mas
aqueles – digo eu – que conseguirem ser receberão o prêmio dos que vivem do
espírito, trabalhando para o espírito: o reconhecimento dos seus
contemporâneos, a gratidão da Pátria.”
(BOSON, Gerson de Britto Mello. A Problemática Universitária. Belo Horizonte: Imprensa da Universidade Federal de Minas Gerais, 1968; p. 09-19).
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