Memória Prosaica...
PARNAÍBA DA MINHA INFÂNCIA PIRACURUQUENSE
João Evangelista Mendes da Rocha
"Piracuruca, a cidade de Nossa Senhora do Carmo, vizinha à Parnaíba, sempre esteve, dos pontos de vista histórico, cultural e comercial, ao longo do tempo, sob a benéfica influência da cidade de Simplício Dias.
Como exemplo maior dessa sintonia, recuemos ao ano de 1823, quando o ideal de emancipação nacional uniu os sentimentos das duas cidades, contagiando os patriotas de Campo Maior, na batalha do Jenipapo. De fato, o comandante das tropas lusas - Major João José da Cunha FIDIÉ -, partindo da Parnaíba, em seu retorno a Oeiras, foi compelido a incluir Piracuruca em seu roteiro, em virtude de informações que lhe chegaram sobre possíveis resistências locais, solidárias com a atitude dos parnaibanos na defesa de nossa independência.
A partir do início deste século, estreitam-se as relações comerciais entre as duas cidades. Parnaíba considerada a mais progressista das cidades do norte do Estado, e exportadora, por excelência, de produtos como tucum, babaçu, e, sobretudo, a cera de carnaúba, através de Tutóia (MA).
Dois fatos contribuíram decisivamente para o fluxo de nossas riquezas em direção da Parnaíba e atingindo seu apogeu em meados do século: a construção da Estrada de Ferro Central do Piauí, vinda da Amarração (hoje Luiz Correia) até Piracuruca, em 1923, e a consolidação do cais do rio Parnaíba, em seu papel de escoadouro natural dos produtos da região, através das conceituadas firmas sediadas em Parnaíba.
E quantas recordações, envolvendo um mundo já tão distante.
Da inauguração da ferrovia, estação apinhada de tanta gente, a cidade engalantada, e o doutor Corinto Andrade, meu tio, juiz de direito, em vibrante discurso, dando as boas vindas ao trem de ferro, ao progresso e à esperança de um melhor bem estar para a população. Foi uma das emoções mais sentidas de minha infância, os festejos pipocando por toda a cidade e a sensação de que a vida iria dar um salto qualitativo no tedioso rame-rame dos habitantes.
Acompanhando, algumas vezes, meu saudoso pai, Cel. José Mendes da Rocha, em suas andanças a negócio, recordo de haver conhecido três das grandes e tradicionais Casas de comércio exportador da Parnaíba, quais sejam, Roland Jacob, Pedro Machado e a dos Clark, mais conhecida por Casa Inglesa. Esta, em particular, pelas relações de amizades e batismo que manifestamos com a família de Séptimus Clark.
Como um todo, a Parnaíba dos anos 20 ainda está bem viva em minhas tenras lembranças. Seus monumentos históricos, a catedral de Nossa Senhora da Graça, seus imponentes palácios, a igreja do Rosário e logradouros públicos, como a praça de Santo Antônio, ainda desfilam por nossa memória enquanto marcos de grandeza da cidade, cognominada de Cidade Invicta.
Referimo-nos anteriormente à emoção própria e de toda uma população, ao ensejo da chegada do trem à cidade dos Irmãos Dantas. Uma outra, ainda que ligada à nossa "Maria Fumaça", vincula-se também ao rio Parnaíba e seu velho cais de embarque. aos 11 anos, iniciando uma longa viagem para estudar em Fortaleza (CE), volto à estação da Estrada de Ferro, em Piracuruca, e às oito horas da manhã de 2 de fevereiro de 1928, partíamos (eu e o mano Olavo), no já apelidado "Cospe Fogo", também conhecido por "Treme-Treme", com seu dilacerante apito de cortar coração. E foram oito horas de saudade contida até Parnaíba, com uma parada em Cocal para o almoço, em pensão próxima. Na estação, esperando-nos, o cunhado e amigo Antônio José de Sousa, que nos hospedou e logo providenciou nosso embarque em uma barcaça, conhecida por navio-gaiola, e assim viajamos até Tutóia (MA), apanhando o vapor "Manaus" em alto mar. Após oito longos dias de enjôo, finalmente, aportávamos em Fortaleza. Ufa! Viagem mais penosa que as duas anteriores, mas felizmente, em terra firme, para iniciar a batalha da vida. Mas isso é outra história.
E aí estão algumas imagens, ligadas à Parnaíba, e enviadas pelo retrovisor de minha longa existência. Elas expressam a admiração e o respeito que sempre me inspiraram a história e a cultura de uma cidade que acaba de festejar seu sesquicentenário. Da cidade, merecidamente chamada de "Princesa do Igaraçu", pela majestade do seu porte e a influência que sempre exerceu sobre todo o norte piauiense, em particular, a região vizinha de Luis Correia, Buriti dos Lopes, Cocal, Bom Princípio e Piracuruca."
(ROCHA, João Evangelista Mendes da. Parnaíba da Minha Infância Piracuruquense. Almanaque da Parnaíba; nº 62. Parnaíba: Academia Parnaibana de Letras (APAL), 1995; p. 111-112).
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