sábado, 9 de janeiro de 2016


Memória Prosaica...






 

 

CARTA PARA EL-REI - 1741[1]


Dom Frei Manuel da Cruz









Senhor,



Por Vossa Majestade servido por resolução expedida da Mesa da Consciência e Ordens em 20 de maio de 1740 criar de novo na freguesia da vila da Mocha mais duas freguesias[2] com párocos colados, uma na ribeira da Gurguéia, e outra no distrito da Caatinguinha, como também foi servido criar, e erigir mais em novas vigararias coladas[3] os curatos[4] das igrejas de Santa Maria da Vila do Icatu, Nossa Senhora do Carmo de Piracuruca, Santo Antônio do Surubim, Nossa Senhora de Nazaré do Mearim, Nossa Senhora da Conceição das Aldeias Altas e Nossa Senhora do Livramento de Parnaguá (que são únicos curatos amovíveis que por esta hora há neste bispado) consignando anualmente a cada um dos vigários destas freguesias, cem mil-réis de côngrua[5] pagos pela sua Real Fazenda, e porque nela não há sobejos com que se possam pagar estas côngruas, me pareceu preciso recorrer a Vossa Majestade para que à vista deste inconveniente determine o que for servido, pois não me parece justo, que os opositores se oponham a tais igrejas com a esperança de terem de côngrua cem-mil réis, e não se lhe pagarem por não haver dinheiro no Almoxarifado; como não há ainda para outras despesas muito mais precisas.



Está a vigararia colada do Itapicuru sem igreja matriz há muitos anos, não obstante ser servido Vossa Majestade mandar que fizesse a tal igreja à custa da Fazenda Real; e vendo eu em visita esta gravíssima falta (pois se está dizendo missa em uma capelinha coberta de palha, que fizeram uns devotos) instei repetidas vezes ao provedor da Fazenda Real, que desse a execução às ordens de Vossa Majestade mandando fazer a dita igreja, e me respondeu que não havia dinheiro, e que disto mesmo dava conta a Vossa Majestade. Na freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Aldeias Altas também não há igreja matriz e como a freguesia é pequena, e os moradores pobres, recomendei ao cura que pedisse esmolas para fazer a igreja; o que tem feito, porque é zeloso; mas ainda assim duvido, que se faça a igreja sem alguma ajuda de custo da Fazenda Real. Na freguesia Mearim também não havia igreja matriz, e agora se anda fazendo a custa de uma doação que Sua Majestade [corroída 1 palavra]. Em todas as igrejas desta comarca vi em visita a grande necessidade que tem de paramentos, porque alguns poucos que têm são provectos, e são indignos, e incapazes, e o mesmo sucede nas igrejas do sertão, como me tenho informado de pessoas fidedignas; o que sem dúvida procede de não terem côngrua alguma para a fábrica, por cujo motivo tenho representado a Vossa Majestade seja servido mandar cominar na Fazenda Real côngruas para a fábrica de todas as igrejas deste bispado que estão eretas e se hão de erigir pelo tempo adiante na forma que a têm todas as igrejas do arcebispado da Bahia.



Todas estas despesas, Senhor, são tão precisas que há nelas gravíssima obrigação; e por hora nenhuma há para erigir vigarias coladas, ainda que será bem feito que pelo tempo adiante ao mesmo passo, que forem crescendo as rendas do bispado se não erijam vigarias coladas; e ainda nestas devem preferir aqueles curatos, que por mais pobres necessitam os seus párocos de côngruas, de que eu irei dando conta, o provedor da Fazenda Real a deve dar dos acréscimos das rendas, para assim se veja, e se conheça, que curatos é quantos, se podem criar em vigarias coladas. Nem pareça novo nesse arbítrio; porque do mesmo se usa no arcebispado da Bahia; e nos bispados do Rio de Janeiro e Pernambuco, em que há curatos amovíveis, não obstantes serem os tais bispados mais ricos e possantes. Este bispado está ainda muito no seu princípio, e com pouca renda e assim é necessário por hora acudir as despesas mais precisas, e depois se cuidará nas de menor necessidade, porque para tudo espero em Deus hajam rendimentos para Vossa Majestade ser servido mandar distribuir com aquela grande piedade, real magnificência que costuma. Vossa Majestade determinará o que for servido etc.








[1]Carta de d. Frei Manuel da Cruz, bispo do Maranhão e Mariana, ao rei de Portugal, d. João V, comunicando a criação do curato da igreja de N. S. do Carmo de Piracuruca e de outras sob sua diocese, bem como solicitando recursos para sua manutenção (n. de Augusto Brito);

[2]A freguesia, ainda hoje, é a menor divisão administrativa em Portugal e corresponde à paróquia civil em outros países. O Brasil, enquanto fez parte do antigo Império Português, também era composto de freguesias (n. de Augusto Brito).

[3]O vigário colado era um cargo ocupado por um sacerdote que, mediante nomeação, passava a assumir, em caráter permanente, uma paróquia canônica. Isso se dava no sistema de padroado, em que a Igreja Católica e o Estado compartilhavam responsabilidades na administração da vida religiosa e civil (n. de Augusto Brito).

[4]As aldeias ou povoados que possuíam as condições necessárias para se tornarem uma paróquia eram chamados curatos. O nome deriva de “cura” ou padre (n. de Augusto Brito).


[5]A côngrua era o salário a que tinha direito o vigário colado, pago pelo Estado, a partir dos dízimos recolhidos junto aos fiéis pelo poder público (n. de Augusto Brito).




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