Cultura, Memória e História em Pesquisa
LEONARDO CASTELO BRANCO
E O HISTÓRICO 22 DE JANEIRO DE 1823
Augusto Brito
Quando o grito do Ipiranga,
bradado a 07 de setembro de 1822, ecoou por todo o território brasileiro,
encontrou algumas Províncias - Bahia, Piauí, Maranhão,
Pará e Cisplatina - em situações políticas e militares no
contraponto dos ideais de independência, defendidos pela maioria.
Deve-se fazer constar, a bem
da verdade, que, já há alguns anos, por conta de querelas regionais, as
representações dessas províncias junto às Cortes Gerais de Lisboa vinham
se posicionando, sistematicamente, contrários às causas nacionais e a favor dos
interesses portugueses. O historiador e monsenhor campomaiorense Joaquim
Chaves lembra-nos, ainda, que “Há muito que a posição geográfica do
Piauí havia despertado a atenção do governo de Lisboa, para o caso de uma
emergência. Prevendo que a independência do Brasil seria apenas uma questão de
tempo, (...) o governo português planejara ficar com uma parte para ele, isto
é, o norte, recriando o Estado do Maranhão que compreenderia as províncias do
Pará, do Maranhão e do Piauí”.
No ano de 1822, a Província
do Piauí era administrada por uma junta de governo pró Portugal,
eleita a 07 de abril. Compunha essa junta Matias Pereira da Costa
(presidente), Francisco de Sousa Mendes e Joaquim de Sousa
Martins. No posto de governador das armas se encontrava o sargento-mor João
José da Cunha Fidié, nomeado por Carta Régia a 09 de dezembro de
1821.
Os principais líderes políticos
da então Villa da Parnaíba, contrariando o governo de Oeiras,
decidiram aderir à independência, a 19 de outubro de 1822. Dentre os
insurgentes parnaibanos, achavam-se Simplício Dias da Silva, João
Cândido de Deus e Silva, Joaquim Timóteo de Brito, José
Francisco de Miranda Osório, Leonardo de Carvalho Castelo Branco
e Raimundo Dias de Seixas e Silva.
O governo da Província,
tomando conhecimento da sublevação ocorrida na Parnaíba, providenciou o
deslocamento de Fidié rumo ao norte, à frente de seu Batalhão
de 1ª Linha e da Tropa Miliciana, com a finalidade de sufocar o
movimento. A corporação portuguesa alcançou Campo Maior a 25 de
novembro. Chegou a Villa da Piracuruca a 12 de dezembro, ali
permanecendo um dia para o descanso das tropas. A 18 de dezembro, sem receber
resistência, Fidié entrou na Parnaíba. Os principais
líderes independentes locais, por se acharem despreparados militarmente, já
haviam se refugiado em terras cearenses.
Chegando a Sobral, Leonardo
Castelo Branco e Miranda Osório (imagem acima/à esquerda) conseguiram arregimentar
um contingente de cerca de 600 homens, dividindo-os em dois destacamentos. Á
frente dessas forças, empreenderam marcha de retorno às terras do Piauí.
Nas primeiras horas do dia 22 de janeiro de 1823, Leonardo Castelo Branco
tomou a Villa da Piracuruca, fazendo prisioneiro um pequeno pelotão de
soldados, ali deixados por Fidié, quando da sua passagem. Ao cair
da tarde do mesmo dia, o ardoroso patriota Leonardo reuniu a
população em frente à Igreja Matriz de Nossa Senhora do Monte do Carmo e
procedeu, solenemente, à leitura de documento, proclamando a independência
brasileira em território piauiense. Seguem-se trechos do referido manifesto,
que o ilustre historiador piracuruquense Anísio Brito fez chegar
até nossos dias através da obra “O Piauhy no Centenário de sua Independência”,
editado em 1922:
“Queridos irmãos que habitais as
fecundas margens do caudaloso Parnaíba, por um e outro lado, dignai-vos atender
às sinceras vozes de um Patrício vosso, que, todo, unicamente se dedica ao
vosso bem presente e ainda mesmo no futuro.
Até quando malignas e espessas nuvens
ofuscam as luzes do vosso entendimento, pois vós sois brasileiros, e recusais
obedecer ao Sr. Dom Pedro, Imperador Constitucional e seu Perpétuo Defensor?
Não sois europeus e seguis o seu
partido com perigo evidente da nossa vida e com perda da honra. Ah! Onde estão
o brio e o patriotismo brasilieses; onde a honra e onde o dever?
O meu coração se vê dilacerado pelo
punhal da mais intensa dor!
Irmãos, irmãos! Quereis ter a doçura
que a força exigia de vós e por violência obtenha o que o dever, a honra e o
patriotismo em vão, até agora, vos tem tão instante e cordialmente persuadido!
A dor me embarga as vozes do sentimento, apenas respiro.
Quereis que a vossa adesão à nossa
santa e comum causa seja da força! Pois sereis satisfeitos, - Ei-la: ela se
apresenta. Um pé de exército de quatro a seis mil homens vai fazer o mesmo em
Campo Maior; há mais um corpo de observação para conter o inimigo, a quem
inquieta com contínuas correrias pela costa. Todos eles trazem os petrechos de
guerra e várias peças de campanha, que tornam mais terríveis suas forças. Além
desses corpos, um batalhão ligeiro de índios e brancos de mais de 600 praças,
destinado a cortar as relações do inimigo com o sul da província, ali plantou o
seu quartel comandante pela voluntária reunião dos povos circunvizinhos.
No curto espaço de três dias tem visto
crescer o duplo de seus soldados.
Obtida a possível reunião dessas
forças mencionadas, seguros da vitória, marcharemos alegres a desalojar o nosso
tirano déspota do seu último mal seguro asilo...
(...) Concluída esta expedição, o que
esperamos em brevíssimos dias, a não termos mais que fazer, exultando de gosto
por sermos instrumentos da liberdade de nossos irmãos, cantando alegres hinos
ao Senhor Deus dos Exércitos, entre os vivas e aclamações, ufanos entraremos em
nosso País natal cheios de uma nobre e gloriosa vaidade. Estes são os nossos
desejos.
(...) Ah! Queridos e enganosos irmãos,
que é o que temeis? E que é o que esperais? Temeis as forças do miserável
Portugal esgotadas com as contínuas levas de soldados do sul do Brasil, onde
todos têm sido sacrificados à deusa da Liberdade Brasiliense? Que esmaga suas
cabeças com a mão armada do ferro com que pretendiam subjugar-nos?
(...) Dezesseis províncias, desde o
além Prata até os limites ocidentais do Ceará, todas a uma só voz, proclamam a
liberdade e prestam gostosa obediência a D. Pedro.
Não temeis essas forças, muito
superiores às vossas, e, existentes no vosso próprio continente e confiantes e
temeis as de Portugal tão remotas e apoucadas? Que estranha mania!
(...) Quanto aos exemplos de consciência
que estes senhores e outros iguais nos metem, não é mais que um pretexto
próprio só para se enganar gentes rudes que ignoram a natureza dos contratos e
que eles obrigam.
(...) Que vos falta, pois, amados
irmãos? Que vos impede os passos? Que vos prende a língua? Ai! Gritai comgo:
Viva a nossa santa religião!
Viva a futura Constituição
Brasiliense!
Viva a D. Pedro I, Imperador
Constitucional do Brasil e seu Perpétuo Defensor!
Viva a nossa santa Independência!
Vivam todos os Brasileiros honrados,
briosos e intrépidos!
Quartel
de Piracuruca, a 22 de janeiro de 1823.
Leonardo
de Carvalho Castelo Branco
Alferes
Secretário da Divisão Auxiliadora do Piauí”.
Depois de protagonizar o ato
histórico em Piracuruca, de importância emblemática para o desfecho das
lutas por nossa independência, Leonardo Castelo Branco rumou para
Campo Maior, ali repetindo o mesmo ato, a 05 de fevereiro de 1823.
Muitos dos soldados arregimentados por Leonardo Castelo Branco,
porém, não prosseguiram com ele, debandando, em sua maioria, de volta para o Ceará.
Dois dias depois da proclamação na Piracuruca, a junta de governo da Província
foi derrubada. Oeiras, finalmente, aderiu à independência. Na Parnaíba,
Fidié tomou conhecimento dos levantes ocorridos na Piracuruca,
em Oerias e em outras vilas piauienses, decidindo retornar,
imediatamente, à capital. Todo esse conjunto de fatores compôs o cenário sobre
o qual se precipitaram o Embate da Lagoa do Jacaré,
preliminarmente, e, depois, a Batalha do Genipapo, ocorridos nos
dias 10 e 13 de março. Esses episódios - cada um em seu devido grau de
importância - merecem ser contemplados, de forma específica, nos capítulos
seguintes dessa História.
A iniciativa da parte do Governo
Estadual de resgatar e valorizar o manifesto pela independência proferido
por Leonardo Castelo Branco, na Piracuruca, a 22 de
janeiro de 1823, bem como de conceder, a título de reconhecimento, a Comenda
da Ordem Estadual do Mérito Renascença do Piauí, a cidadãos piracuruquenses
que têm contribuído, dentre outros feitos, com o engrandecimento da cultura,
constituem-se em efetivos exemplos do que é possível e é devido realizar, por
líderes e instituições, visando a manutenção da memória de uma sociedade,
tornando evidente a necessidade de estabelecer, como bem cultural e moral de um
povo, o exercício da liberdade, da igualdade e da democracia, em toda sua
plenitude.
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Matéria veiculada em:
Coluna “Calidoscópio Cultural”,
jornal Acesso Real, Ano II, nº 06, de 16 a 31.01.2008.
Coluna “O Mermorista”, site www.piracuruca.com, em
21.01.2008.